A morte de um combatente

Por Mário Augusto Jakobskind  Direto da Redação
O jornalismo e a cidadania brasileira perderam uma grande figura, o presidente da Associação Brasileira de Imprensa (ABI). Maurício Azêdo, falecido na sexta-feira 25 de outubro, exatamente 38 anos depois do assassinato de Vladimir Herzog pela repressão da ditadura civil militar que assolou o país a partir de abril de 64.
Azêdo se foi, mas fica o seu legado de sempre, o de combater o bom combate. Em 1962 foi um dos líderes da greve dos jornalistas que reivindicavam salários dignos, negados pelo patronato, apesar dos lucros exorbitantes.
Em plena ditadura, em 1968, em uma das mais violentas ações do gênero, que se repetem nos dias atuais sob o comando do Governador Sérgio Cabral, a PM invadiu a antiga Faculdade de Medicina, na Praia Vermelha, e fez mais de 500 prisões de estudantes de vários cursos que realizavam uma plenária, colocando todos os presos dentro do então campo do Botafogo, na Rua General Severiano. Essa violência gerou a maior passeata daquela época. Maurício Azedo, rubro-negro apaixonado, foi o autor, no extinto Jornal dos Sports, da seguinte manchete sobre a passeata que respondia à violência policial: “100 mil vão às ruas pelo Botafogo”. A única manchete política em toda a história do Jornal dos Sports. Leia mais

Preso e torturado pela ditadura, o jornalista seguiu em sua luta na defesa dos valores democráticos e socialistas fundamentais para um Brasil mais justo e sem autoritarismos de qualquer espécie. Eleito vereador pelo PDT, Maurício Azêdo continuou servindo de exemplo não se dobrando a pressões e enfrentando o poder das máquinas quando presidiu a Câmara dos Vereadores.
Na ABI, desde sempre se alinhava com  jornalistas, como Barbosa Lima Sobrinho, entre outros, que combatiam a ditadura e todo o tipo de censura imposta pelos detentores do poder de fato. Eleito presidente da entidade em 2004, Maurício sempre abriu as portas da ABI para os setores que se mobilizam na defesa de um Brasil mais justo. Os auditórios do 7o. e 9o. andar consolidaram-se como os espaços mais democráticos da cidade do Rio de Janeiro.
Sob a direção de Maurício Azedo, a ABI defendeu galhardamente a liberdade de imprensa e de expressão, bem como engajou-se ao lado dos movimentos da sociedade brasileira defensores da democratização dos meios de comunicação.
Na entrada da ABI se encontrava uma grande faixa com os dizeres "pela abertura dos arquivos da ditadura". O recado foi retirado numa recente madrugada, sem terem sido identificados os autores. Poucos dias antes também tinha sido retirada uma faixa informativa sobre a direção e os conselheiros eleitos em abril de 2013. Ficou também a dúvida sobre os autores do ato repressivo.   
Nos últimos meses de vida, Maurício Azêdo passou a enfrentar uma oposição sectária de grupos inconformados com o fato de a ABI estar na vanguarda da luta por uma mídia realmente democrática e ampliada para os setores sociais que não têm vez e voz na mídia tradicional. Associados vinculados a setores midiáticos tradicionais, sob alegações das mais variadas,  questionaram até mesmo a eleição legítima realizada no último mês de abril e que deu a vitória à chapa encabeçada por Maurício Azêdo.
Com a saúde debilitada, Maurício nas últimas semanas vivia sob permanente estado de tensão, o que agravou o problema cardíaco que acabou provocando a sua morte. Os defensores de valores opostos ao que Maurício Azêdo representava chegaram até ingressar na justiça com alegações infundadas sobre a lisura da eleição de abril.
Na segunda-feira (21 de outubro), portanto quatro dias antes de sua morte, uma audiência na Justiça, que dava seguimento ao processo aberto contra o jornalista, teve de ser adiada para o próximo dia 18 de novembro, porque Azêdo não pôde comparecer em função dos problemas de saúde. O processo deve ser extinto, mas deixou suas consequências.
Os abutres, como estão sendo considerados os associados que na prática e de forma sutil querem a entidade, que caminha para 105 anos de existência, em um leito passivo e afastado da defesa dos valores que Maurício Azêdo sempre defendeu. Ou seja, concretamente se posicionam ao lado de entidades do patronato como a Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP) e as nacionais do mesmo quilate.
O legado do jornalista seguirá como bandeira para os defensores de uma Associação Brasileira de Imprensa combativa e sempre ao lado dos setores da sociedade que querem um Brasil mais justo socialmente e com uma imprensa totalmente democratizada.
Poucas horas antes da parada cardíaca que o levou a morte, Maurício Azêdo elaborou um texto de despedida que reproduzimos em seguida:

Convocação para lutas,
Aos companheiros e companheiras imobilizados pelo sistema de forças políticas e sociais que neste momento dominam a vida na América,
Queremos dizer que estamos de volta com nossas ideias, nossa coerência, nosso passado e novas propostas de luta pela libertação dos povos da América Latina.
Somos os que estiveram presos no Estado Nacional do Chile e assistiram impotentes ao assassinato e ao corte das mãos do poeta popular Víctor Jara. Somos os que enfrentamos a dura ditadura militar do Brasil que matou milhares de brasileiros. Fomos companheiros de luta de Carlos Marighella, assim como estivemos no Uruguai e na Argentina organizando lutas ao lado dos tupamaros e montoneros.
Estamos prontos a retomar o papel que nos cabe na luta em defesa do povo de nossos países. Para isso, conclamamos os participantes desses movimentos à realização de uma reunião ampla, para a retomada de nosso movimento e a programação das jornadas revolucionárias que desde já devemos desencadear para que voltemos ao centro do processo de democratização em nossos países; os companheiros que disponham de espaço e recurso para a realização desse encontro, indiquem data e local onde ele se realizará, para deixarmos as condições de inação com que estamos oprimidos.

Rio de Janeiro, Buenos Aires, Montevidéu, Santiago do Chile, outubro de 2013.

Maurício Azêdo,
Vítima da ditadura brasileira.


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