MAÇONARIA NA LITERATURA: “O HOMEM QUE QUERIA SER REI”


Por Edgard Costa Freitas Neto


Resumo
O presente trabalho busca demonstrar a influência da filosofia e do simbolismo maçônico presentes no conto “O homem que queria ser Rei”, de Rudyard Kipling, ressaltando as lições maçônicas que se podem extrair daquela obra.

Introdução
A literatura, arte milenar, oferece ao autor múltiplas oportunidades de se fazer entender e ao leitor, múltiplas vias de entendimento. São exemplos dessas obras “A Divina Comédia”, de Dante Alighieri, “O Livro de Jó”, de William Blake, “Paraíso Perdido” de John Milton e a presente obra, o conto “O Homem que queria ser Rei”, de Rudyard Kipling.

Kipling é hoje considerado um dos maiores autores modernos da língua inglesa, ainda que seu legado seja hoje controverso, dada a associação de seu nome ao imperialismo britânico. Nasceu em Bombaim, na então colônia britânica da Índia, em 1865, filho de pai e mãe ingleses. Aos cinco anos, como era costume entre os colonos que possuíam condições para tal, foi enviado para a Inglaterra para viver sob a tutoria de um casal de amigos da família, a fim de receber uma educação propriamente britânica, um período que o marcou negativamente (JAFFA, 2011).

Demonstrando desde jovem talento para as letras, retornou para a Índia em 1882, aos 16 anos, para trabalhar como jornalista, publicando a partir deste período vários contos e poemas, conquistando com o passar dos anos uma sólida reputação, culminando com o Prêmio Nobel de Literatura de 1907.

De espírito cosmopolita, viajou por vários países do mundo, sempre registrando suas impressões sobre as culturas locais.

Sua carreira maçônica principiou com a sua iniciação na Loja Maçônica “Esperança & Perseverança” nº 782 em Lahore, no atual Paquistão, no mês de abril de 1885, pelo Ritual de Emulação. Kipling necessitou de uma autorização especial para ser iniciado, posto que contava na ocasião com 19 anos. Após um mês foi passado ao grau de Companheiro Maçom e, em dezembro daquele ano, foi elevado ao grau de Mestre Maçom (JAFFA, 2011).

Sobre este momento, escreveu Kipling:

Ali eu conheci muçulmanos, hindus, sikhs, membros do culto de Araya, Brahmos e um sentinela Judeu, que era sacerdote e açougueiro de sua pequena comunidade. Então um novo mundo se abriu diante de mim.”

Apesar de jovem e da rápida carreira pelos graus da maçonaria simbólica, neste período Kipling apresentou dois trabalhos em Loja, um sobre as origens do Grau de Aprendiz Maçom e outro sobre as visões populares acerca da maçonaria, nenhum dos quais chegou aos nossos dias (CARR, 1964).

Kipling foi avançado ao grau de Mestre da Marca na Loja de Marca “Fidelidade” n. 98 em 14 de abril de 1887, sendo elevado ao grau de Nauta da Arca Real na Loja “Monte Ararat”, ambas na cidade de Lahore, no mesmo dia. Não consta, todavia, que tenha sido maçom do Real Arco.

Em 1887, todavia, diante das necessidade profissionais da sua carreira de jornalista e seu sucesso ascendente como escritor forçaram-no a pedir o afastamento dos trabalhos da Loja, apesar de ter continuado a frequentar trabalhos maçônicos na cidade de Allahabad até 1889, quando se afastou definitivamente das Lojas indianas.

Kipling se destaca entre os maçons famosos pelo fato de a Arte Real ter deixado profundas impressões em seu espírito, e por consequência na sua obra, não sendo apenas uma nota de rodapé na sua biografia.

Referências à Maçonaria – veladas ou expressas – estão presentes em vários dos seus contos e poemas, como em “Kim” e um belo poema chamado “À minha Loja-mãe” (CARR, 1964) e em “Mowgli” (DILLINGHAM, 2005), além, é claro, de “O homem que queria ser Rei”, escrito ainda em 1888, objeto do presente estudo.

A Narrativa de “O homem que queria ser rei”
A história de “O homem que queria ser Rei” começa na Índia. Um jornalista, cujo nome não é declinado (provavelmente um alter ego do próprio Kipling) conhece por acaso um outro europeu num trem, e ambos se reconhecem como maçons. Seu nome é Peachey Carnegham. É um ex-soldado, veterano de guerra, que vive a vadiar pela Colônia.

Peachey lhe pede um favor, que por conta da fraternidade – e de uma dose de curiosidade – o jornalista assente em cumprir: ele deveria levar um recado cifrado a um terceiro sujeito num entroncamento ferroviário. Eles planejam – Peachey e seu amigo – fingir-se de jornalistas (do mesmo jornal do personagem inominado) para extorquir um Marajá que havia assassinado a viúva de seu pai (os Marajás têm medo da imprensa britânica).

Na data acertada o narrador se dirige ao entroncamento e dá o recado para Daniel Dravot, o amigo de Peachey.

Preocupado, entretanto, com a segurança dos dois, o narrador denuncia suas pretensões às autoridades britânicas, que os deportam antes que cheguem ao Marajá.

O tempo passa e o jornalista não ouve mais falar dos dois vagabundos do trem. Um dia, entretanto, ambos aparecem de surpresa no seu jornal. Se apresentam propriamente e pedem a ajuda do relutante jornalista. Eles explicam suas pretensões: Tendo decidido que não havia mais espaço para lucrar com a Índia, já tomada pela intervenção estatal da Coroa Britânica, os dois querem seguir rumo ao Kafiristão, um território nunca visitado por europeus (ao menos desde Alexandre, O Grande, 3.000 anos antes) e nem por muçulmanos, sem estado central, com uma população de tribos pagãs em estado permanente de guerra umas com as outras. Lá pretendem oferecer sua expertise militar a qualquer dos líderes tribais, montar um exército, ajudá-lo a conquistar o país, para então derrubá-lo em seguida, tornarem-se reis, saquearem o país e voltarem ricos para a Índia.

Para tanto firmam entre si um contrato. Possui três cláusulas, apenas. A primeira, de que ambos serão reis do Kafiristão; A segunda, de que não consumirão álcool ou se deitarão com mulheres até completarem a primeira cláusula; Terceiro, que se portarão com dignidade e discrição, cláusula que, alegavam, conferia regularidade ao instrumento.

O jornalista serve de testemunha do contrato, apesar de não levá-los a sério, deixando-os entretidos com mapas e enciclopédias. No dia seguinte, entretanto, ele os encontra no ponto de partida das caravanas, disfarçados de sacerdote e ajudante, entretendo os nativos. Ao encontrá-lo, eles lhe mostram a carga de contrabando: vinte fuzis Martini-Henry, os mais avançados da época, e bastante munição no lombo dos camelos, dissimulados sob quinquilharias.

O jornalista percebe então que eles estão falando sério apesar de todos os riscos. Deseja-lhes sorte, apesar de ter certeza de que morrerão.

Deles tem notícia dez dias depois por meio de uma mensagem escrita. Haviam cruzado, efetivamente, a fronteira entre a Índia e o Afeganistão. O tempo passa, sem notícias deles, até que três anos depois uma figura esfarrapada e alquebrada aparece no escritório do jornalista suplicando um trago de bebida. Era Peachey, contando que chegara do Kafiristão, onde de fato ele e Daniel foram reis.

Peachey passa a narrar a sua epopeia. Após separarem-se da caravana e seguirem sozinhos em direção ao Kafiristão, Peachey e Daniel enfrentam ladrões e as montanhas até se depararem com duas tribos em guerra. Após tomarem partido da mais fraca – e vencerem a refrega contra a mais forte graças aos fuzis – os dois caem nas suas graças.

O plano se desenvolve como esperado. Qual um dominó as tribos vão caindo, uma a uma, engrossando o exército dos trambiqueiros até que todas as tribos estivessem unificadas sob um comando.

É então que o inusitado acontece. Os dois descobrem que os líderes das tribos conhecem os sinais, toques e palavras dos dois primeiros graus da Maçonaria, e também têm suas marcas gravadas na pedra, apesar de não conhecerem os elementos do Grau de Mestre.

Eles decidem, então, abrir uma Loja. Ordenam a confecção de aventais no padrão e pintam quadrados brancos sobre o piso negro de uma sala, criando um pavimento mosaico.

Mais uma surpresa ocorre quando os heróis se preparam para abrir a Loja. Um dos sacerdotes, um velho que não tirava o olho dos dois, viu a marca distintiva do avental de Venerável Mestre vestido por Daniel e se exaltou, revelando no fundo da pedra que servia de trono de Salomão a mesma marca, convencendo-se, e a todos, que Peachey e Daniel eram deuses. Os dois são entronados como Reis e Daniel, ainda, como “Grão-Mestre da Maçonaria no Kafiristão”.

Eles começam, então, a governar salomonicamente o país, utilizando-se dos conhecimentos que possuem da Bíblia, ensinando os nativos a se organizar, a plantar, a estocar os grãos, a lançarem pontes de corda entre as montanhas, unindo o país.

Nesse ponto o plano dos dois começa a se desfazer. Daniel começa a gostar de ser rei do Kafiristão, e resolve se casar, violando o contrato. Peachey é contra, alegando que eles não podem desviar o foco naquele momento. Os dois se estranham.

Os nativos também são contra o casamento, pois não lhes parece próprio de um Deus desposar uma mortal, visto que ela com certeza morreria. Um dos líderes tribais mais fieis também adverte contra o casamento.

No momento em que Daniel tenta beijar a esposa ela, aterrorizada, o morde, fazendo com que sangre. À visto do sangue os sacerdotes e o público percebem que Daniel e Peachey são, afinal, mortais, e portanto, impostores.

Uma revolta dos nativos toma corpo, e Daniel e Peachey estão cercados e sozinhos, salvo por alguns poucos acólitos, lutando por suas vidas contra uma turba numericamente muito superior.

Percebendo a futilidade da resistência, Daniel se entrega para a turba, que o faz atravessar uma ponte de corda sobre o desfiladeiro, o que o faz com dignidade e altivez, após pedir perdão a Peachey. A ponte é cortada e Daniel mergulha para a morte. Peachey é crucificado, mas tendo sobrevivido, é libertado pelos nativos, conseguindo retornar à Índia após uma longa e exaustiva jornada.

O jornalista permanece incrédulo, até que Peachey lhe exibe a cabeça coroada de Daniel, última prova de que eles foram um dia reis do Kafiristão.

Peachey está desidratado e sofrendo de insolação, perdendo a sanidade. O jornalista o encaminha para um hospital. Ao visitá-lo, no dia seguinte, descobre que ele não sobrevivera, e que a cabeça coroada do Irmão Dravot desaparecera.

O conto se tornou filme na década de 70 do século passado, dirigido por John Huston e estrelado por Sean Connery e Michael Caine, que interpretam Danny e Peachey, respectivamente. O filme traz inovações em relação à narrativa do conto, mas sua condução magistral o eleva à condição de complemento do livro.

Uma Lição Maçônica
 “O homem que queria ser Rei” narra a história de um fracasso. A chegada da figura estropiada de Peachey ao escritório do jornalista no começo da história já adverte ao leitor que ele não foi bem sucedido na sua pretensão de se tornar rei do Kafiristão.

A entronação de Daniel como Rei e Grão-Mestre da Maçonaria se revela um sucesso efêmero: Para ser Rei Daniel tem que se assumir primeiro como um deus, abdicando da sua humanidade. E de nada adianta ser um rei “verdadeiro” sem gozar dos prazeres que se esperavam de tal posto.

De início o papel de deus é relativamente fácil: eles se utilizam do conhecimento que têm da Bíblia e mimetizam o poder divino ao ditar semi-mandamentos e semi-profecias.

Kipling adere na história às correntes, populares desde as Constituições de James Anderson, que atribuíam à Maçonaria origens ancestrais, antediluvianas. No caso do conto, Alexandre, o Grande, rei da Macedônia que morreu em 323 a.C. teria sido o introdutor da Maçonaria no Kafiristão.

Neste contexto a Maçonaria aparece como o elemento que liga e une os desconhecidos: o jornalista aos pilantras e depois eles ao povo do Kafiristão. Eles só conhecem os dois primeiros graus, mas não o terceiro. Aparentemente também conhecem o grau de Mestre da Marca, ou algo parecido com ele, pois Danny nota que eles têm suas marcas gravadas na pedra.

Apesar de não falarem a mesma língua os aventureiros e os nativos se entendem na Loja ad hoc montada. A concessão do terceiro grau vira um sinal inequívoco de autoridade, pois todos os chefes de tribo desejam tê-lo. Para não “banalizar” o grau Danny e Peachey conferem-no somente aos líderes mais fieis – entre eles um, apelidado Billy Fish, que dá uma prova final de fidelidade quando a farsa cai.

Mas a incapacidade de Danny de frear suas paixões e controlar seus instintos põe tudo a perder. Sendo um deus ele não poderia desposar uma mortal. Na interpretação de Peachey tal comportaria, ainda, uma violação do contrato firmado entre eles, ao que Danny dá a entender já estar superado.

Disse Danny:
 “Eu não vou fazer uma nação” ele dizia “vou construir um Império! Estes homens não são negros, são ingleses! Veja os seus olhos, veja as bocas. Veja o seu jeito de ficar em pé. Sentam em cadeiras dentro das próprias casas. São as Tribos Perdidas, ou qualquer coisa parecida, e nasceram para ser ingleses(…) Vamos ser imperadores, Imperadores da Terra! O Rajá Brooke vai parecer criança perto de nós. Vou falar com o Vice-Rei de igual para igual. (…) vou escrever pedindo uma Dispensa para a Grande Loja pelo que fiz como Grão Mestre (…) Quando tudo estiver no ponto eu entrego a coroa, esta coroa que estou usando agora, de joelhos para a Rainha Vitória e ela vai dizer: levantai-vos Sir Daniel Dravot! Ah, é máximo! É o máximo, estou lhe dizendo!” (KIPLING, 2010, p. 40-41)

Só que o inverno se aproxima e Daniel deseja uma esposa. Peachey o adverte: eles estariam violando o contrato. Há muito o que se fazer e não é próprio de um Rei desperdiçar energia com as mulheres. Danny lhe responde:

Quem está falando de mulheres? Eu falei esposa: uma Rainha que dê um Filho ao Rei. Uma Rainha saída da tribo mais forte, que fará de você irmão de sangue deles e que ficará do seu lado dizendo o que o povo acha de você e dos problemas lá deles. É isso o que eu quero.” (Idem, p. 43)

Mas o Conselho não gosta da ideia. Danny fica furioso, nas palavras de Peachey:

“O Dravot xingou eles todos: “Que há de errado comigo? Sou um cachorro ou não sou homem o bastante para estas fulanas? Não botei minha mão sobre este país? Quem deteve o último ataque afegão? ‘Na verdade fui eu, mas o Dravot estava bravo demais para se lembrar. „Quem trouxe as armas para vocês? Quem consertou as pontes? Quem é o Grão-Mestre do sinal gravado na pedra?‟, falou, e bateu a mão no bloco que usava para sentar na Loja e no conselho, já que sempre iniciava os trabalhos feito uma Loja.

Danny não compreende a razão da rejeição e Peachey pergunta a Billy Fish, que o responde francamente e o alerta para a natureza do problema:

“Como um homem pode dizer isso a você, que sabe de tudo? Como as filhas de homens podem se casar com Deuses ou Demônios? Não combina.‟ 

“Um deus pode fazer qualquer coisa‟, falei. “Se o rei gostar de uma garota, ele não vai deixar ela morrer.’. ‘Ela tem que morrer‟, disse o Billy Fish. “Nessas montanhas tem todo tipo de deuses e demônios, e de vez em quando uma moça se casa com um e desaparece para sempre. Além do mais, vocês dois conhecem a Marca gravada na pedra. Só os Deuses sabem disso. Achamos que eram homens até que mostraram a Marca do Mestre.”

A estrutura da realidade oferece um limite para a ação. A onipotência, propriedade divina, não é o poder de fazer qualquer coisa, mas o de fazer qualquer coisa que seja possível de fazer.

A filosofia maçônica utiliza a alegoria do desbaste da pedra bruta para explicar aos aprendizes o processo de aperfeiçoamento do homem. Através do trabalho a pedra bruta vai sendo burilada e desbastada, até se tornar uma pedra polida pronta para ser utilizada na construção do Templo Universal.

Há correntes na Maçonaria que passam da ideia de perfectibilização do homem para a ideia da perfectibilidade da natureza humana. A perfectibilização é uma possibilidade que se traduz precisamente no reconhecimento das imperfeições naturais do gênero humano e sua atenuação pela civilização. A perfectibilidade, por outro lado, é intangível, pois implicaria na divinização do homem. O homem deve se mirar na perfeição buscando emulá-la, mas ter em conta de que não conseguirá atingi-la, dando-se por satisfeito em ficar o mais perto possível dela.

Dravot, embriagado pelo delírio de onipotência trazido pelo cargo esqueceu-se de respeitar a estrutura da realidade. Sua jovem noiva, horrorizada com a ideia de ser fulminada pelo Deus, acabou arranhando-o. À vista do sangue todos perceberam que eles não eram, afinal, deuses.

A população se revolta. Os soldados fieis da Danny e Peachey são quase todos mortos, até que sobram apenas Billy Fish e mais uns poucos. Nesta hora Dravot dá-se conta do seu erro e se redime com Billy Fish e com Peachey:

‟Foi minha maldita loucura que trouxe você até aqui. Volte, Billy Fish, e leve seus homens. Você já fez o que pôde, agora chega. Carneham, aperte a minha mão e vá embora com o Billy. Talvez não matem vocês. Vou encontrá-los sozinho. Fui eu quem fez isso. Eu, o Rei!‟

“Vai‟, falei, “vai para o inferno, Dan! Eu estou aqui com você. Billy Fish, você some, e nós dois vamos enfrentar esse povo‟.

“Eu sou um Chefe‟, disse Billy Fish calmo. “Fico com vocês. Meus homens podem ir.”

Este é o momento da elevação de Danny à nobreza verdadeira, a de caráter. Ele encara a morte de frente, não sem antes pedir perdão ao amigo e irmão, e ser por ele perdoado, antes de ser jogado despenhadeiro abaixo.

Billy Fish é degolado. Peachey é crucificado, mas sobrevive. Já delirando e falando de si na terceira pessoa, Peachey diz:

Foram cruéis ao ponto de lhe darem comida no templo, porque disseram que ele era mais Deus que o velho Daniel, que era homem. Viraram ele para o lado da neve e lhe disseram que fosse para casa, e o Peachey levou bem um ano para chegar em casa, mendigando nas estradas, mas em segurança, porque o Daniel Dravot, ele andava na frente e dizia “Vamos embora, Peachey. Temos muito o que fazer‟. As montanhas dançavam de noite e queriam cair na cabeça do Peachey, mas o Dan levantou a mão e o Peachey passou por baixo. Ele sempre guardou a mão e a cabeça do Peachey. Eles lhe deram de presente no templo para ele se lembrar e nunca mais voltar, e apesar de a coroa ser de ouro puro, e do Peachey estar morrendo de fome, nunca a vendeu. O senhor conheceu o Dravot! O senhor conheceu o Valoroso Irmão Dravot! Olhe para ele agora!

Peachey exibe a cabeça “seca, esbranquiçada” de Dravot, coroada, como prova da fantástica narrativa. Após, o narrador o coloca numa charrete e o leva para atendimento médico, onde Peachey, ex rei do Kafiristão, morre.

A morte e a “ressurreição”, tal como apresentadas na história, oferecem um paralelismo bastante claro tanto à narrativa cristã como à narrativa da lenda do terceiro grau.


Conclusão
É interessante a conclusão dos nativos sobre Peachey, a de que ele seria “mais Deus do que o velho Daniel”. A jornada de Peachey e Daniel é efetivamente uma jornada heroica, ainda que tenha redundado no mais absoluto fracasso.

A diferença que se pode observar entre Daniel e Peachey é a de que Peachey logrou vencer suas paixões e subjugar suas vontades, ao passo que Daniel deixou-se seduzir pelo poder ilusório que detinha (já que ele sabia – ou devia saber – que não era, concretamente, um deus), e por esta razão acabou abdicando da autoridade moral que tinha, causando a própria ruína.

O contrato firmado entre Peachey e Danny é uma exemplificação, bastante sucinta e resumida, das old charges maçônicas. Serve de guia para os dois, e enquanto eles nele se mantiveram, o plano deu certo.

A jornada dos dois, desta forma, bem pode corresponder à jornada iniciática maçônica, tendo os heróis vencido as dificuldades interpostas, experimentando o gosto da glória e da honra e, ao final, por conta da ignorância dos próprios limites, contemplado a morte e a “ressurreição”, ensinando-nos a lição de que ninguém pode ser mestre antes de ser mestre de si.

Referências

CARR, Harry. Kipling and the Craft. Ars Quatuor Coronati, v. 77. Londres, 1964.
DILLINGHAM, William. Rudyard Kipling: Hell and heroism. Londres: Palgrave Macmillan, 2005.
Fussel Jr, Paul. Irony, Freemasonry, and Humane Ethics in Kipling’s “The Man Who Would be King”. ELH, Vol. 25, No. 3. 1958.
JAFFA, Richard. Man and Mason – Rudyard Kipling. Londres: Author HouseUK, 2011.
KIPLING, Rudyard. O homem que queria ser rei e outras histórias. São Paulo: Abril, 2010

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