Por João Anatalino
Assim diz o Sábio: -
Agradece ao Criador,
Os dias de
abundância, para nos momentos
De escassez não ser
ainda maior a tua dor
A multiplicar o
motivo dos teus tormentos.
Não sejas, pois, como
o néscio que espera
A noite para realizar
as coisas que deveria
Fazer de dia. No
fracasso ele se desespera
E a vitória não tem o
valor que ele queria.
Feliz é todo aquele
que na saúde agradece
E na riqueza valoriza
a mão que a forneceu.
É a esses que a deusa
Sorte nunca esquece.
Por isso o Senhor nos
deu o exemplo de Jó,
Que mesmo na desgraça
nunca a fé perdeu
E não teve em sua
vida a dor de sentir-se só.
A história de Jó é um dos livros sapienciais
do Velho Testamento que mostra bem o pensamento dos antigos habitantes do
Oriente Médio, homens que, de um lado colocavam todo o seu destino nas mãos de
uma divindade e de outro o questionavam quando os resultados de suas ações não
eram bons. Coisa que aliás não mudou muito, nem no Oriente nem no Ocidente. A
história de Já é um claro desdobramento da filosofia de Zoroastro, ou
Zaratustra, o sábio persa que ensinava a doutrina dualista de um universo
dividido entre duas concepções: a do bem, encarnada por um deus solar, (Aura
Mazda) e a do mal , encarnada pelo deus das trevas (Arimã). Todas as coisas
boas são dádivas do deus bom, e todas os males provém do deus mau. Na concepção
dos zoroastristas, o mundo reflete esse conflito entre o bem e o mal, e a alma
humana é movida por essas duas forças. Por isso o autor do livro de Jó diz,
logo no intróito, que Deus (Aura Mazda, o deus bom) permite que Satã (Arimã o
deus mau) tire de Jó todos os bens que o faz feliz para que ele experimente o
sofrimento, e com isso mostre se realmente, diante do mal, ele persevera na sua
fé, ou também se tornaria mau.
Jó é essencialmente um livro pedagógico.
Nesse sentido, os três amigos de Jó, que o criticam e admoestam por reclamar da
má sorte que lhe tirou todos os bens, são a voz da sua consciência que oscila
entre atribuir á divindade a razão dos seus males ou reconhecer que é a sua
própria atitude perante a vida que lhe trouxe consequências tão danosas. Em
princípio é isso que ocorre, pois os amigos de Jó tendem a atribuir a ele mesmo
essas desgraças, isentando Deus de qualquer responsabilidade por isso. Jó,
entretanto, não pode aceitar essa tese, porquanto acredita que o destino do
homem está nas mãos de Deus e só Ele o pode determinar.
Essa dicotomia é própria do modo de pensar
oriental. De um lado temos a crença muçulmana do Mack Tub, segundo a qual tudo
que acontece no mundo está escrito e obedece á uma vontade manifesta de Deus,
cabendo aos homens apenas aceitar todos os acontecimentos como manifestação da
sua Vontade. De outro lado, há a tese desenvolvida pelos judeus, principalmente
os cultores da Cabala, segundo a qual Deus tem sim, um plano para a construção
do universo, mas usa os homens como seus agentes construtores, concedendo a
eles uma certa dose de livre arbítrio, ou seja, dando a eles a capacidade de
escolher entre certas ações construtivas ou destrutivas. É esta concepção que
aparece nos discursos de Eliú, o jovem, que contrasta o pensamento dos três
amigos mais velhos de Jó. Segundo Eliú, o qual Deus não interfere no curso dos
acontecimentos nem julga os homens por seus atos nem premia ou castiga ninguém.
Bem e mal são apenas conceitos humanos que servem de parâmetros para que a
consciência humana distinga entre aquilo que é bom e o que ruim. O homem deve
procurar o bem porque isso é o que lhe faz bem. E se lhe faz bem o homem se
torna bom e agrada a Deus. O contrário também é verdadeiro. O mal torna o homem
mau e desagrada a Deus. Por isso, diz Eliú, “Ele retribui a cada um segundo a
sua obra e de acordo com os caminhos de cada um ele recompensa.”
Assim,
Deus “deixa” que Jó experimente o mal para que ele possa saber o valor exato do
bem. Essa, aliás é a pedagogia da vida. Se todos os momentos da nossa vida
fossem feitos de prazer, com que medida poderíamos valorá-lo se não conhecemos
nada que seja diferente dele? Assim, a história de Jó, após ensinar que Deus
está em todas as coisas, mas todas as coisas não estão nele, como diz o
discurso final do próprio Deus (que parece ter sido tirado da Baghavad Guita),
mostra que a dialética dos acontecimentos universais, com sua dupla face (bem e
mal, exato e falso, dor e prazer, luz e trevas, etc), nada mais é que uma
estratégia pedagógica da divindade para ensinar aos homens o valor da suas
próprias existências. Assim é que, após ter perdido tudo, e ter mostrado a
compreensão desse processo, Jó recuperou todos os seus bens e desse novo
acervo, o valor era duas vezes maior.
Agradeçamos a Deus todos os resultados. Com o
sucesso aprendemos a fazer bem feito; com o mal resultado aprendemos como não
devemos fazer. Essa é, pois, a grande
lição da história de Jó. Deus não faz bem nem mal. Até porque bem e mal são
conceitos puramente humanos. Ele simplesmente nos ensina como fazer. Se aprendemos
ou não é problema nosso.
O resultado é fruto das nossas ações. Por
isso está escrito: “ Eis que agora o ser humano tornou-se como um de nós,
conhecendo o bem e o mal (Gênesis 3:22). Todas as possibilidades são criadas
por Deus. A escolha é nossa.
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